Publicado em: 06/06/2024 às 7h50
O caso aconteceu nessa segunda (3), no povoado Santa Izabel, uma comunidade quilombola, na cidade de Cândido Mendes. O corpo no caixão é de Alex dos Santos Oliveira, de 44 anos, que morreu no domingo (2), vítima de aneurisma cerebral.
Uma cena viralizou nas redes sociais no início desta semana, o corpo de um homem sendo carregado por familiares e amigos dentro de um rio, no interior do Maranhão (assista acima).
O vídeo mostra que, durante o trajeto, as pessoas que levam o caixão ingerem bebida alcoólica e gritam, enquanto outras jogam água em cima do caixão, como se tivessem dando um ‘banho” no morto, tudo isso acompanhado por uma multidão, em uma espécie de festejo.
Alex era muito conhecido na região, pois atuava há cerca de 22 anos como agente de saúde na zona rural da cidade. Ao g1, o filho de Alex, Aécio Oliveira contou que o pai havia pedido que quando morresse queria que o seu velório fosse algo alegre, não queria ninguém triste durante seu enterro e que seguissem a tradição de passar com o caixão por dentro do rio Gapó.
“Isso é uma tradição no nosso povoado, toda pessoa que morre lá eles fazem isso (passar com o caixão dentro do rio). E meu pai queria todo mundo feliz no enterro dele, queria música. E muita gente participou, todo o povoado, porque é uma tradição levar as pessoas que morreram até o cemitério desse jeito”, destacou Aécio.
“O velório foi daquele jeito porque em todos os velórios que tinha ele sempre falou que queria que o dele fosse com muita alegria, que os amigos dele estivessem alegres e que, inclusive, o cortejo fosse acompanhado por uma música, que é a música da Roberta Miranda, ‘Vá com Deus’. No vídeo não dá para ouvir, mas estava sendo cantada essa música”, afirmou Haynir.
Ainda segundo o amigo de Alex, a comunidade não é abastecida por água, então o rio Gapó era utilizado para banho, para lavar roupa, então esse rio fez parte da infância e da vida toda do agente de saúde.
“Ele foi criado tomando banho naquele rio. E os amigos sabiam do amor dele pelo rio e, em vez de passarem por cima da ponte na hora da caminhada até o cemintério, passaram por baixo da ponte, por dentro do rio”, contou.
Nas redes sociais, algumas pessoas criticaram o festejo, dizendo se tratar de desrespeito com o morto, porém, Haynir Pereira explicou que esse cortejo em direção ao cemitério, passando com o morto por dentro do rio, é uma tradição centenária no quilombo de Santa Izabel, bem como nas comunidades quilombolas que ficam na mesma região.
“É uma tradição centenária, os nossos ancestrais eles tinham pouco tempo para enterrar seus entes queridos, pois tinham que voltar logo para a lavoura. Então eles faziam aquele percurso, de carregar o morto até o cemitério. E no decorrer do tempo, foi mantida a tradição. Aquilo ali, aos olhos de quem não entende, não respeita a cultura alheia, acha um absurdo, mas porque ninguém filmou e presenciou o festejo que foi. O corpo esteve na casa e o filho preparou o festejo. Deram cachaça, matou-se um boi, porque ele era um agente comunitário muito querido na região e ele era um defensor da cultura dele, participava de todos os velórios, que são feitos dessa forma”, explicou Haynir.
Ainda de acordo com Haynir, o rio Gapó faz parte do percurso da comunidade até o cemitério mais perto e a região, agora que ganhou uma estrada, sendo que antes não tinha como passar por outro lugar para enterrar os mortos, se não fosse atravessando o rio. Por isso criou-se essa tradição de atravessar o rio com o morto no caixão, por força da necessidade. Além disso, o velório atrai todas as comunidades vizinhas, que fazem um verdadeiro festejo.
“As pessoas que vêm velar o corpo, elas vêm das outras comunidades, a pé, de moto, e você tem que servir a comida para esse pessoal que vem de distante velar aquele ente querido. Então essa tradição é uma forma de respeito ao morto. Eu acho que o velório dele (do Alex) deu para mais de mil pessoas”.
O amigo de Alex destaca que o festejo foi uma forma de representar como o agente de saúde foi feliz em vida.
“Ninguém desrespeitou ele, pelo contrário, respeitou-se uma tradição milenar, construída pelos quilombolas. Eles foram com alegria, bebendo cachaça, batendo com galhos de mato nas costas dos outros, se sujando de barro, então é para transparecer que foi com alegria que ele viveu. Quem faz comentário maldoso, é porque não conheceu a tradição e não conheceu o histórico do falecido, que era uma pessoa muito querida. Ele recebeu a visita do povo todo das comunidades vizinhas, mataram um boi, fizeram a comida no panelão, tudo dentro da tradição deles”, explicou Haynir.
G1 Maranhão